
Gozo e dor
(Almeida Garrett)
Se estou contente, querida,
Com esta imensa ternura
De que me enche o teu amor?
Não. Ai não; falta-me a vida;
Sucumbe-me a alma à ventura:
O excesso de gozo é dor.
Dói-me alma, sim; e a tristeza
Vaga, inerte e sem motivo,
No coração me poisou.
Absorto em tua beleza,
Não sei se morro ou se vivo,
Porque a vida me parou.
É que não há ser bastante
Para este gozar sem fim
Que me inunda o coração.
Tremo dele, e delirante
Sinto que se exaure em mim
Ou a vida ou a razão.

Flor de Ventura
(Almeida Garrett)
A flor de ventura
Que amor me entregou,
Tão bela e tão pura
Jamais a criou:
Não brota na selva
De inculto vigor,
Não cresce entre a relva
De virgem frescor;
Jardins de cultura
Não pode habitar
A flor de ventura
Que amor me quis dar.
Semente é divina
Que veio dos Céus;
Só n’alma germina
Ao sopro de Deus.
Tão alva e mimosa
Não há outra flor;
Uns longes de rosa
Lhe avivam a cor;
E o aroma... Ai!, delírio
Suave e sem fim!
É a rosa, é o lírio,
É o nardo, o jasmim;
É um filtro que apura,
Que exalta o viver,
E em doce tortura
Faz de ânsias morrer.
Ai!, morrer... que sorte
Bendita de amor!
Que me leve a morte
Beijando-te, flor.
(in 'Folhas Caídas')

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